1959 •
―――DECIMO SEGUNDO CARTORIO NOTARIAL DE LISBOA A CARGO
DO NOTARIO LICENCIADO ALVARO DA COSTA MENANO NA RUA DE SÃO
JULIÃO, SESSENTA E DOSI, PRIMEIRO ANDAR, ESQUERDO:―――
―――Certifico que de folhas quarenta a quarenta e oito do livro numero oito de
Autos de Abertura e Registo de testamentos cerrados, deste cartorio, se acha lavrado
o auto e registado o testamento do teor seguinte:――――
―――AUTO DE ABERTURA DE TESTAMENTO CERRADO―――
―――No dia vinte e quatro de Fevereiro de mil novecentos e cinquenta e nove,
nesta cidade de Lisboa e decimo segundo cartorio notarial a meu cargo, instalado
na rua de São Julião, sessenta e dois, primeiro andar, esquerdo, perante mim Alvaro
da Costa Menano, Licenciado em Direito e notario nesta cidade, concelho e cartorio
e as duas testemunhas idoneas e minhas conhecidas adeante mencionadas e no fim
deste assinadas, compareceu o Senhor Antonio da Costa Ivo, viuvo, proprietario,
morador na Rua de São Julião, cento e trinta e seis, cento e trinta e oito, cuja identidade
reconheço por me ser abonada pelas testemunhas deste acto que me afirmaram
conhece-lo pelo próprio, do que dou fé. – Na minha presença e na das mesmas testemunhas
por ele referido Senhor Antonio da Costa Ivo foi dito: que no dia dezoito
de Fevereiro corrente, no Hospital da Marinha, desta cidade, freguesia de Santa Engracia,
faleceu Carlos Viegas Gago Coutinho, no estado de solteiro, de noventa anos
de idade, natural da freguesia de Santa Maria de Belém, concelho de Lisboa, filho
de José Viegas Gago Coutinho e de Fortunata Maria Coutinho, Almirante reformado,
domiciliado em Lisboa, Rua da Esperança número duzentos e quarenta e dois,
segundo, freguesia de Santos-o-Velho, pertencente à área da Primeira Conservatória
do Registo Civil de Lisboa. – Que o mesmo senhor falecido Almirante Carlos Viegas
Gago Coutinho havia deixado testamento cerrado escrito, datado, rubricado e
assinado pelo testador, escrito em papel branco do formato de vinte e nove linhas,
constando o testamento cerrado de duas páginas completas e mais treze linhas, seguindo-
se em seguida o auto de aprovação, lavrado por mim notário em sete de
Fevereiro de mil novecentos e cinquenta e oito; apresentou-me neste acto, não só o
testamento referido, pedindo-me lavrasse o competente auto de abertura, publicação
e registo, como um documento complementar ao testamento, escrito em meia
folha de papel selado, escrito e assinado pelo testador, tendo a letra e assinatura
reconhecida no dia dezoito de Fevereiro corrente, como me apresentou a certidão de
óbito do testador, passada na Primeira Conservatória do Registo Civil de Lisboa em
data de ontem; tendo eu recebido estes documentos, selei o testamento e documento
anexo ou complementar com quatro selos da taxa de cinquenta escudos cada um
e procedi à leitura respectiva em voz alta na presença simultânea de todos, apresentante,
testemunhas e mais pessoas. Foram testemunhas idóneas, cuja idoneidade
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Memórias de Gago Coutinho
verifiquei, os Senhores Silvestre João Rodrigues, casado, procurador, morador em
Lisboa, Rua de Artilharia Um, cinquenta e cinco, segundo, e Carlos Garcia, casado
empregado de escritório, morador na Avenida Capitão Américo dos Santos, Vivenda
Tomáz, Algueirão, concelho de Sintra, os quais vão assinar este, comigo notário
e com o apresentante, depois de escrito pelo meu punho e de lido e explicado por
mim em voz alta na presença simultânea de todos, testemunhas e apresentante; este
vai apôr em seguida ao contexto, a sua impressão digital do indicador direito.―――
António da Costa Ivo – Silvestre João Rodrigues – Carlos Garcia – O notário,
Alvaro da Costa Menano. ―――
—Tem aposta uma impressão digital. ―――
―――SEGUE-SE O TESTAMENTO DO TEOR SEGUINTE. ―――
―――Carlos Viegas Gago Coutinho, neste dia sete de Fevereiro de mil novecentos
cinquenta e oito, sentindo-se bem, escreve o seguinte testamento sentindo-se
bem, escreve o seguinte testamento, que ali, digo, anula os anteriores. Nada deixo
a quem me matar. Nasci em dezassete Fevereiro mil oitocentos sessenta e nove. Pai
e Mãe são falecidos, e não tenho herdeiros forçados. Possuo títulos e dinheiro em
Bancos, em Portugal e em Londres, em poder do Corretor António Ivo, e em cofre
do Montepio. Tudo devo aos bons exemplos de minha boa Mãe adoptiva, Dona Maria
Augusta Pereira; razão pela qual aqui recordo seu sobrinho, Fernando. Ponto.
– Deixo o prédio da Rua da Esperança, cento sessenta e quatro, único que possuo
ao “Albergue dos Inválidos do Trabalho, com o encargo de perpétuamente cuidar
do jazigo de Dona Palmira, no Cemitério do Alto de São João, e do meu, na Ajuda.
– Também o prédio fica cativo do usufruto do primeiro andar direito a favor da minha
Governanta actual, Dona Sofia Corrêa, sómente enquanto ela viver.— Também
o segundo andar direito será usufruto do sobrinho de D. Maria, Senhor Fernando
Geraldes Bárba, sua Esposa e filha, enquanto viverem. Quanto a meus titulos congelados
em Londres, ficarão propriedade da Sociedade de Geografia de Lisboa, destinados
a prémio anual por trabalhos geográficos ultramarinos de campo e, também, à
gratificação ao pessoal da Sociedade, todos os Natais. Quanto ao produto liquidado
dos meus títulos e acções, e apurado dos dolares, entregues pelo “Anglo-Portuguese
Bank” de Londres, assim como os que tenho em Bancos e escritório António Ivo,
e Banco Pancada-Morais, – formarão os produtos em dinheiro, a ser divididos em
nove (nove) partes iguais, com o seguinte destino: Duas (duas) partes para o já citado
sobrinho de Dona Maria, Fernando Geraldes Barba. Uma parte para minhas
primas D. Emilia e D. Cesaltina de Almeida, ou a sobrevivente, caducando por sua
morte. Outra parte para D. Alda, viuva falecida do meu amigo Carlos Viana Nunes,
e seus descendentes. Outra parte, digo, Outra para o meu amigo António da Costa
Ivo, ou descendentes. Outra parte para o meu amigo, Camilo Laroche Semedo. As
restantes tres partes, das nove, terão destino designado em carta anexa a este documento,
para pessoas que me é impossível designar aqui, como são o pessoal a meu
serviço quando falecer, ou amigos novos, a quem venha dever serviços. Mas não a
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Almirante Pioneiro com Alma de Tenente
descendentes quando os não citar. Ponto. Ponto. A minha biblioteca será dividida,
segundo a especialidade respectiva, pelas quatro Bibliotecas, Municipal do Porto,
Sociedade de Geografia, Academia das Ciências de Lisboa. À Sociedade de Geografia
de Lisboa, citada, lego meus quadros e livros de viagem, e o material de desenho
de que me servi. As condecorações, que ganhei como geógrafo, são para a citada
Sociedade, com excepção da Torre e Espada de ouro e pedras, a qual em memória de
quem a promoveu – o Marechal Gomes da Costa, meu amigo – será entregue ao Museu
do Exército, visto que a igual, do Comandante Sacadura, já foi comprada pela
Aviação Naval, para seu Museu. Em especial a minha louça da China, e a secretária
que era do médico António Ferreira, serão entregues ao citado Fernando Barba, em
memória da sua tia, Dona Maria Augusta Pereira. Este seu sobrinho dará à mobilia
da minha casa, como a roupas, o destino que entender, preferindo o pessoal de serviço
doméstico. Em tempo, ilucido, das partes, nove, citadas acima, serão duas para
o Fernando, uma para Nunes, outra para Costa Ivo, outra para Semedo. – Espero
que a Nação Portuguesa, em memória dos meus serviços, exente de contribuição por
transmissão de bens, as Associações de Utilidade Pública, de que me lembrei neste
testamento. ―――
Em tempo, esqueci notar também, para perfazer as quatro, quatro bibliotecas, a
da Marinha. Foi esquecida mas as completa. Também esqueci que dos meus dois astrolábios,
o maior será para o Museu de Marinha, e o menor, completo e antigo, para
a Sociedade de Geografia. Enfim, nomeio meus testamenteiros, pela ordem seguinte:
Antonio da Costa Ivo, Camilo Laroche Semedo, António Ivo Filho, Comandante Sarmento
Rodrigues, Fernando Bárba, Comandante Tasso de Figueiredo, Engenheiro
Joaquim Salgado
, e Farmaceutico António Viana. Aquele que aceitar terá cinco por cento dos legados
que entregar, exceptuados os valores de Londres, congelados. Termina esta disposição
aos sete de Fevereiro de mil oitocentos noventa e oito, digo, mil novecentos
e cinquenta e oito. – Assino Carlos Viegas Gago Coutinho. ―――
―――Auto de aprovação de testamento cerrado―――
—No dia sete de Fevereiro de mil novecentos e cinquenta e oito nesta cidade
de Lisboa e décimo segundo cartório notarial a meu cargo instalado na rua de São
Julião, sessenta e dois, primeiro andar, esquerdo, perante mim Notário Alvaro da
Costa Menano e as duas testemunhas idóneas e minhas conhecidas adeante mencionadas
e no fim deste assinadas, compareceu como outorgante o Excelentissimo
Senhor Almirante Carlos Viegas Gago Coutinho, solteiro, maior, oficial da Armada,
aposentado, morador em Lisboa, rua da Esperança cento e sessenta e quatro, cuja
identidade reconheço pelo conhecimento pessoal que dele tenho, sendo igualmente
conhecido das testemunhas deste acto que me afirmaram conhece-lo pelo próprio,
do que dou fé; declarou-me que é natural de Lisboa, freguesia de Belém e filho de
José Viegas Gago Coutinho e de Dona Fortunata Maria Coutinho. E na presença das
mesmas testemunhas pelo referido Senhor Almirante me foi entregue este manuscri343
Memórias de Gago Coutinho
to pelo modo ordenado na Lei, dizendo ser ele o seu testamento e disposição de ultima
vontade, por ele escrito, datado, rubricado e assinado, pedindo-me lhe lavrasse
o competente auto de aprovação. Pelo que eu notário, vendo o testamento sem o ler
verifiquei que o mesmo é escrito, datado, rubricado e assinado pelo testador e se
contem em duas páginas completas e catorze linhas incompletas de outra página de
papel branco de vinte e nove linhas. – Por verdade e me ser pedido lavrei o presente
auto que principiei logo em seguida à assinatura do testamento e o continuei sem
interrupção. – Foram testemunhas idóneas, cuja idoneidade verifiquei, João António
Simões, casado, aposentado da policia, morador em Lisboa, Calçada do Forte,
catorze, primeiro, direito, e José Simão, casado, empregado comercial, morador em
Lisboa, rua de Santo António dos Capuchos, dois, primeiro, direito, os quais vão
assinar este comigo notário e com o testador, depois de escrito pelo meu punho e de
lido e explicado por mim em voz alta na presença simultânea de todos, testemunhas
e testador; este vai apor em seguida ao contexto a sua impressão digital do indicador
direito. Vou entregar ao testador o presente testamento, depois de ultimado o
respectivo auto de aprovação. – O testamento não foi cosido nem lacrado. Tanto eu
notário como as testemunhas rubricámos as folhas do presente testamento. ―――
Carlos Viegas Gago Coutinho – João António Simões – José Simão – O notário,
Alvaro da Costa Menano. – Tem aposta uma impressão digital. – Imposto do selo,
quarenta escudos. A.C. Menano. – Como não havia papel igual foi este acabado em
papel de trinta e cinco linhas. A.C. Menano. – Conta: Artigo sexto, cem escudos –
Artigo dezoito, dois escudos e cinquenta centavos – Selo quarenta escudos – Soma
cento quarenta e dois escudos e cinquenta centavos (Acresce à conta do registo) A.C.
Menano. Registada a conta no respectivo livro sob o número cento trinta e um, A.C.
Menano. – Tem documento anexo do teor seguinte: ―――
―――De acordo com o que eu, Carlos Viegas Gago Coutinho o escrevi em meu
testamento, o qual cita que no cofre do Montepio onde está, cita, digo, que tres são
para dividir por pessoas que eu não podia citar no mesmo testamento: sua divisão
será: Uma das partes dividida em oito partes iguais, sendo tres para minha governanta,
outras tres para a criada Ermelinda, uma para o jardineiro, a outra para a
mulher a dias, se ainda estiverem a meu serviço. Ponto. A soma das outras duas
partes serão divididas em oito partes menores, sendo tres para as tres viúvas dos tres
meus grandes amigos: – Guilherme Ivens, digo, Guilherme Ivens Ferraz, Comandante
Moura Brás (Cezar), e Azevino dos Santos. Outra parte para o meu grande amigo
Sarmento Rodrigues, Comodoro, outra parte para a citada governante Dona Sofia;
outra parte para a citada criada, Ermelinda Baltazar; outra parte para a Sociedade de
Geografia, e seus empregados, como ela entender; outra parte a dividir pela minha
antiga vizinha, Glória Albergaria, e pela minha antiga, a Dona Amélia Silva. A parte
restante e o que eventualmente sóbre por morte das duas últimas citadas, será para
os pobres da vizinha Madragôa. Estas oito partes menores. As partes destinadas
para a governante e para a criada, como estas duas meias-metades, serão para os
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citados pobres, se alguma delas falecer. Ponto. Aqui repito. Aqui confirmo minha
vontade de ficar junto de meus Pais, no cemitério da Ajuda, sahindo o corpo, não
de casa mas da capela do Arsenal. O caixão, de pinheiro será pobre, para caber no
jazigo, onde já está meu nome. – Vestir-me-ão os calções e casaco de caki, como atravessei
a África. Tudo pobre, como nasci. Aliás nunca almirante a valer, mas autentico
geografo de campo. Escrevo este essencial complemento do testamento em catorze
do mes de Dezembro de mil novecentos cinquenta e oito. E assino na linha seguinte.
– Carlos Viegas Gago Coutinho. Esta assinatura, e a letra serão reconhecidas no Tabelião
Cardoso na rua de São Julião. Acabou aqui. Ao tempo, esqueci de dizer que a
Dona Amélia Silva foi a minha dactylografa. – Reconheço a assinatura e a letra desta
declaração do Senhor Almirante Carlos Viegas Gago Coutinho. – Décimo Segundo
Cartório Notarial de Lisboa a cargo do notário Doutor Alvaro Menano, aos dezoito
Fevereiro mil novecentos cinquenta e nove. Selo e emolumento quatro escudos.
Registo número quatro mil duzentos cinquenta e nove. O ajudante, Jorge da Costa
Soeiro. – Tem aposto o selo branco deste cartório. ―――
―――Os transcritos documentos estão manuscritos: o primeiro em tres meias
folhas de papel, sendo duas de vinte e nove linhas e uma de trinta e cinco linhas,
estando as duas primeiras numeradas e rubricadas com as rubricas: Gago Coutinho,
J. Simões, J. Simão, e todas com as rubricas Ivo, Garcia e A.C. Menano; e o segundo
documento em meia folha de papel selado da taxa de cinco escudos, tendo também
as rubricas Ivo, Garcia, e A.C. Menano, rubrica esta que se ve em todas as folhas
bem como se ve em todas elas o selo branco deste cartório e coladas e inutilizadas
estampilhas fiscais (quatro), na totalidade de duzentos escudos. – O Notário, Alvaro
da Costa Menano.
―――Imposto do selo: cinco escudos. A.C. Menano. ―――
– Conta: Artigo nono, cento e cinquenta escudos – Artigo vinte e dois, sessenta e
quatro escudos – Soma, duzentos e catorze escudos – Artigo duzentos e vinte e cinco,
um escudo e cinquenta centavos – Selo, cinco escudos – Despesa, oitenta e dois
escudos e sessenta centavos – Total, trezentos e tres escudos e dez centavos – São
trezentos e tres escudos e dez centavos. A.C. Menano. – Registado no respectivo
livro sob o número cento vinte e seis. A.C. Menano. ―――
――――――――――――――――――――――――
Por me ser pedida fiz extrair a presente certidão que vai conforme o original.
– Lisboa vinte e um Outubro de mil novecentos e cinquenta e nove. – Ressalvo a
entrelinha: – “Foram testemunhas”, e a rasura: – “cinco por cento”, e mais a rasura:
“Abril”. – Ressalvo o riscado: “21” e a entrelinha: “vinte e um”.
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